Memória de uma Sociedade
A Sociedade Cearense de Cardiologia nasceu em 19 de junho de
1972 durante assembléia da Sociedade Brasileira de
Cardiologia, em Curitiba, quando os cardiologistas do
estado, ainda não reunidos em uma associação, faziam suas as
palavras de Dom Quixote: "Quando se sonha sozinho é apenas
um sonho; Quando sonhamos juntos é o começo da realidade".
E foi assim que a SCC nasceu, fruto de um sonho comum,
provando que o "bom senso é a coisa do mundo mais bem
compartilhada". Ela surgiu marcada pelo entusiasmo de um
grupo de especialistas que tinha o interesse maior de trazer
para Fortaleza, em 1973, o XXIX Congresso Brasileiro de
Cardiologia.
A criação da sociedade era, naquela época, condição "cine
qua non" para que o evento acontecesse nesta capital. Isto
não fora exigência 23 anos antes (1950), quando aqui se
realizara o IX Congresso Brasileiro de Cardiologia sob a
presidência do Dr. Antônio Jucá. Ele foi o primeiro
cardiologista cearense de renome nacional e internacional,
tido como modelo para as gerações de cardiologistas que
viriam a seguir. Dr. Antônio Jucá trouxe o primeiro
eletrocardiógrafo para o Ceará. A Sociedade Cearense de
Cardiologia cultiva sua memória realizando periodicamente o
evento denominado Conferência Antônio Jucá.
No início da década de 70, quando ainda era pouco comum o
exercício de comando por parte das mulheres, o Ceará inovava
colocando a Dra. Glaura Ferrer Martins, figura emblemática
da cardiologia do Ceará, na presidência das Sociedades
Cearense e Brasileira de Cardiologia, que inclusive já era
representante regional da SBC no período de 1962 a 1972.
Como a primeira presidente, os outros que lhe seguiram no
mister de conduzir os destinos da entidade - Drs. Raimundo
Hélio Cirino Bessa (1977), José Nogueira Paes Júnior (1978),
Eduardo Régis Monte Jucá (1979), José Ronaldo Mont’Alverne
(1980), José Ribeiro de Sousa (1981), Fernando Antônio Frota
Bezerra (1982), Frederico Augusto de Lima e Silva (1983),
José Augusto Rocha Araújo (1985), Pedro Negreiros de Andrade
(1987), Antônio Prudêncio de Almeida (1989), José Maria
Bonfim de Moraes (1991), Marilena Gondim Rocha (1993),
Antônio Augusto Guimarães Lima (1995) e João David de Sousa
Neto (1996), revelaram-se exímios no cumprimento da verdade
dita por Sartre: "O homem nada mais é do que aquilo que ele
faz".
Foi dessa feliz combinação tempo/competência/dedicação, que
resultou a Sociedade Cearense de Cardiologia dos dias
atuais. Para que isso se tornasse possível foi posta à prova
a vocação do Ceará para os grandes acontecimentos na área de
cardiologia. No início da década de 50, era realizada em
Fortaleza pelo Dr. José Hilário de Oliveira, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro e auxiliado por Drs. Haroldo
Juaçaba, Paulo de Melo Machado e Newton Gonçalves, a
primeira comissurotomia mitral a céu fechado, com a
utilização da técnica de Bailey, praticada com o dedo. Em
1967, a primeira cirurgia cardíaca com circulação
extra-corpórea no Ceará, era programada pela equipe do Dr.
Maurício Mota Aquino e realizada pelas mãos competentes do
Dr. Adib Jatene, já então considerado um dos expoentes
maiores da cirurgia de coração do Brasil. Três anos mais
tarde, sob a responsabilidade do Dr. José Nogueira Paes
Júnior, era feita aqui o primeiro cateterismo cardíaco.
Também por sua conta foi realizada a primeira
cineangiocoronariografia em 1972. Em outubro deste ano, Dr.
Eduardo Régis Jucá, considerado a competência imprimida no
exercício da profissão, realizou a primeira cirurgia de
revascularização miocárdica com "Ponte de Safena"; em 1974,
Dra. Sheyla Rolim figueredo montou a primeira bicicleta
ergométrica e em 1978, o Dr. José Ronaldo Mont’Alverne
tornou real o primeiro ecocardiograma modo M. Dr. José Maria
Bonfim de Moraes, em 1979, instalou a primeira esteira
ergométrica e, em 1985, ele próprio, foi o primeiro a
utilizar no Estado uma substância trombollítica no infarto
agudo do miocárdio. A primeira angioplastia no Ceará, ficou
a cargo do Dr. Siguemituzo Ariê em 1987, auxiliado por Dr.
José Ribeiro de Souza e sua equipe. Já a primeira
valvuloplastia, aqui registrada, aconteceu em 1988, sob a
competência do Dr. José Augusto Rocha Araújo.
O histórico da cardiologia cearense, permeado de sucessos,
contabiliza muitos outros grandes feitos, ao exemplo do
primeiro transplante cardíaco, em 1992, no Hospital Antônio
Prudente, pelas mãos dos médicos Glauco Lobo Filho, João
Martins de Souza Torres e José Maria F. Memória. No ano
seguinte, 1993, no Hospital de Messejana, eram confiadas ao
Dr. Glauco lobo Filho e ao Dr. Teles de Mendonça, a primeira
cirurgia de plastia da válvula mitral e a primeira plastia
da válvula aórtica, respectivamente. Ainda no decorrer desse
ano, o Dr. José augusto de Araújo realizava, aqui em
Fortaleza, a primeira arteriosseptostomia, por cateter balão
de Rashkind. Algum tempo depois, em 1995, a primeira
ventriculoctomia parcial esquerda (técnica de Randas), tinha
realização a cargo do Dr. José Dario Soares.
A larga trajetória da entidade, estendida por 25 anos,
pontilhada de empreendimentos, guarda fidelidade à máxima de
Schopenhauer: "O homem pode, é certo, fazer o que quer, mas
não pode querer o que quer". O conceito de liberdade assim
estabelecido só permitiu a Sociedade atuar com sensatez e
desenvoltura nos espaços que lhe são reservados, buscando
alcançar a porta que dá acesso a esse mundo de lucros e
perdas mas que nem por isso deixa de ser campo vasto de
promissoras realizações.
O Hospital Sanatório de Messejana, inaugurado em 1932 como
nosocômio particular, foi uma das primeiras investidas da
iniciativa privada no campo da medicina hospitalar.
Procuraram os Drs. Otávio Lobo, Lineu Jucá e Pedro Sampaio
idealizadores e fundadores, reunir a amenidade do clima de
Messejana com o repouso, usados na época, para o combate à
Tuberculose. Em 1939 o Sanatório passou para o Instituto de
Previdência do Ceará (IPEC) e deste para o Instituto dos
Bancários (IAPB). Com a unificação da Previdência Social
(INPS), sofreu o Sanatório de Messejana notável modificação.
O diretor Dr. Carlos Alberto Studart Gomes, responsável
pelos destinos do Hospital no período de 1944 a 1983,
conseguiu realizar, com o apoio da alta direção
previdenciária, um sonho a muito acalentado por todos que
trabalhavam em Sanatórios de Tuberculose: A transformação
deles em unidade dinâmicas para tratamento das doenças
cardiopulmonares nos seus diferentes aspectos. A partir de
então, o Hospital de Messejana (a palavra Sanatório foi
abolida) ao longo de sua história tem sido certamente o
centro de referência em cardiologia, não só no estado do
Ceará, mas em todo o Nordeste no que diz respeito ao
diagnóstico, avaliação e tratamento de doenças
cardiovasculares, bem como celeiro de formação de
cardiologistas, através do curso de residência médica na
especialidade, tendo como primeiros residentes os Drs.
Abdias Rolim Gomes e Francisco Martins de Oliveira.
Na história da cardiologia cearense uma referência especial
há que ser ressaltada: o serviço de cardiologia do Hospital
Universitário Walter Cantídeo da Universidade Federal do
Ceará. Ao professor Antônio Jucá, um dos fundadores da
Faculdade de Medicina, deve a medicina do Ceará muito do seu
progresso nas décadas de quarenta e cinquenta. Já citado
anteriormente, o professor Antônio Jucá não era somente
especialista, mas também o clínico da cidade de Fortaleza
nessa época. Exercia liderança natural em medicina interna
na Faculdade de Medicina e levou a cardiologia para o
Porangabuçu, em 1955, criando o Centro de Cardiologia de
Fortaleza, numa demonstração de arrojo e de confiança no
futuro da escola médica que ajudou a nascer. A direção desse
centro foi confiada ao professor Célio Brasil Girão, médico
por vocação, extremamente dedicado a seus alunos. O serviço
de cardiologia do Hospital das Clínicas foi uma continuação
desse centro e faziam parte do grupo de cardiologistas, os
professores Edgardo Saraiva Leão, Raimundo Hélio Cirino
Bessa, Glaura Férrer Martins e Francisco de Paiva Freitas e
tempos depois os professores José Nogueira Paes e José
Ronaldo Mont’Alverne. Deve-se a esse grupo de especialistas
a responsabilidade pela formação básica e o incentivo dos
profissionais da área que viriam a seguir. O professor José
Nogueira Paes foi o responsável pelo grande impulso da
cardiologia do Ceará, que aconteceu na década de setenta,
quando se tornou chefe do serviço e posteriormente diretor
do Hospital, criando uma mentalidade nova através da
introdução de métodos diagnósticos invasivos ou não e na
implantação do curso de especialização em cardiologia.
Foi ainda na busca do conceito de liberdade, que os
cearenses demonstraram ser capazes de abrir mais uma porta
para a moderna cardiologia. Criando mais um polo científico
no Estado, a cidade de Sobral, que já possuía um serviço na
especialidade na Santa Casa de Misericórdia, fundou o
Hospital do Coração, estabelecimento considerado "de
primeiro mundo", graças a visão empreendedora e política de
padre José Linhares. Foi neste Hospital, que em julho de
1998 se realizou a primeira aterectomia rotacional e em
agosto do mesmo ano, o primeiro ultrasom intracoronário,
ambos sob a competência do Dr. José Klauber Roger Carneiro e
sua equipe.
Realmente, a cardiologia do Ceará foi sempre pródiga na
realização de grandes empreitadas e na criação de excelentes
momentos de promoção da especialidade. Tanto assim que
registrou, em 1978, a fundação do "Clube de Revistas", tendo
como responsáveis os Drs. José Augusto Rocha de Araújo (American
Journal of Cardiology ); José Maria Bonfim de Moraes (
Circulation e British Heart Journal ); Dr. José Ribeiro de
Sousa ( Archives des maladies du Couer et des Grands
Vaissaux) e Waldemiro Carvalho Júnior ( Thoracic and
Cardiovascular Surgery). O aperfeiçoamento dos profissionais
da área manteve-se sempre como uma preocupação, como bem foi
evidenciado em 1979, quando, sob a coordenação do Dr. José
Nogueira Paes, foram realizados, em parceria com a
Universidade Federal do Ceará, cursos sobre métodos não
invasivos em cardiologia.
Significativos eventos na área, respaldados pela SCC,
tiveram lugar no Estado, ao longo desses anos, como foi o
caso das 1ª, 2ª, 3ª Jornadas de Cardiologia, respectivamente
em Iguatu, Quixadá e Sobral. Também aconteceram por estas
plagas, o 1º Simpósio sobre Hipertensão Arterial Sistêmica,
em 1981 e o Congresso Norte-Nordeste de Cardiologia, em
1987, presidido por Dr. Pedro Negreiros de Andrade, na época
também presidente da Sociedade, em cuja gestão foi adquirida
a sede da entidade, com o propósito de reunir os
profissionais da cardiologia do Ceará, sempre que para isso
houvesse vontade dos associados e interesse da Sociedade.
O 1º Congresso Cearense de Cardiologia aconteceu em 1992,
presidido pelo Dr. Antonio Prudêncio de Almeida, durante o
qual a Sociedade organizou o Curso Nacional de Reciclagem,
como parte do programa de Educação Médica Continuada da SBC,
culminando com a prova para a obtenção do Título de
Especialista em Cardiologia..
O Ceará, com tantas e tamanhas realizações no campo da
cardiologia, tem mostrado vocação natural para o
acontecimento de grandes eventos, tanto assim que em
novembro de 1993, foi realizado o XIV Congresso Brasileiro
de Cardiologia Pediátrica, tendo Fortaleza recebido "cheia
de carinho e alegria" aqueles profissionais que tratam dos "
"Pedrinhos pedreiros" com seus corações machucados", como
bem descreveu sua presidente Dra. Marilena Gondim Rocha.
Em março de 1996, a SCC promoveu e organizou o 2º Congresso
da especialidade, sob a presidência do Dr. Frederico Augusto
de Lima e Silva.
No final de 1996, Fortaleza experimentou a honra de receber
mais de 400 especialistas para o IX Simpósio Internacional
de Ecocardiografia. O evento, de alto nível, presidido pelo
Dr. José Eloy da Costa Filho e prestigiado por esta
Sociedade, incluiu-se entre os grandes acontecimentos
científicos aqui realizados, imprimindo, com força, a marca
empreendedora da cardiologia, em uma de suas mais
importantes vertentes.
Fortaleza, que já sediara , em março de 1997, o 3° Congresso
Cearense de Cardiologia, presidido pelo Dr. João Martins de
Souza Torres, serviu de local também para realização, em
março de 1998, do 4º Congresso da especialidade, sob a
presidência da Dra. Célia Maria Félix Cirino, a quem só
coube reconhecer o seu esforço desmedido, para fazer desse
encontro um marco dentro da comunidade científica e soube
certamente distinguir, o quanto são necessários seres
humanos com qualidade, para realizações com qualidade.
Em setembro de 1998, a Sociedade promoveu e realizou o forum,
cujo tema
" Cardiologia Pediátrica: Situação Atual no Estado do
Ceará", foi considerado um acontecimento histórico na
cardiologia cearense. Nesse evento, os cardiologistas e
demais profissionais envolvidos, reunidos em sua sede
totalmente reformada, esclareceram a grave situação da
criança cardiopata, debateram e levantaram propostas
adequadas, de tal modo que ali reunidos, puderam lançar um
grito de alerta à cardiologia do Ceará, contando com o apoio
da Secretaria de Saúde do Estado, diversas autoridades
médicas e da SBC, na presença de seu vice-presidente , Dr.
Luiz Paulo Rangel.
O jubileu de prata da Sociedade foi comemorado com inusitada
alegria em 12 de dezembro de 1997, no auditório Castelo
Branco da reitoria da Universidade Federal do Ceará, levando
a marca do entusiasmo da atual diretoria , possuída do
interesse maior de promover a assertiva de que a abertura
para a modernidade não lhe fez , em nenhum momento, esquecer
que o "homem", como dizia pitágoras, "é a mediada de todas
as cousas". Acima de uma máquina, está o homem que a criou
e, mais acima que este, está Deus que o fez à sua imagem e
semelhança. Se a pouca ciência afasta o homem do seu
criador, a grande ciência fá-lo mais próximo. A atual
diretoria da entidade é levada a acreditar que:
Deus/homem/ciência foram a tríade da evolução da natureza
humana, em cuja base se assentam a razão, o sentimento e a
crença.
A Sociedade Cearense de Cardiologia, em meio aos erros e
acertos dos últimos 5 lustros, tem um balanço favorável a
registrar, posto haver-se empenhado, a fundo, nesse período,
em proveito do aperfeiçoamento dos seus associados e do
reconhecimento aos talentos que hão se manifestado.
A Sociedade agradece aos que por lá passaram, conduzindo os
seus destinos, na certeza de que assim o fizeram emprestando
o melhor de sua competência e, sobretudo, muito amor àquela
casa. Manifesta também a sua admiração aos grandes ícones da
cardiologia nacional, brilhantemente representada na
solenidade pelo Dr. Adib Jatene, que foi agraciado, com toda
a honra, com o título de "Doutor Honoris Causa" pela
Universidade Federal do Ceará. Expressa ainda a sua
confiança naqueles que virão no futuro e sobre cujos ombros
pesará a responsabilidade de abrir para a Sociedade, no
século que se avizinha, um horizonte maior, despertado pela
sua própria razão de existir.
O presidente atual da Sociedade, teve a honra de ser
intérprete dos sentimentos dessa coletividade nessa data
histórica para a Sociedade Cearense de Cardiologia, não
tendo mais nada a dizer , se não repetir as palavras de
Bergson: "Fracassamos em traduzir por inteiro, tudo o que a
nossa alma sente: o pensamento não tem medida comum com a
linguagem". Vai mais além
Foi essa visão humanista da cardiologia, que deu dimensão à
gloria de comemorar o jubileu de prata da Sociedade.
Dr. José Eloy da Costa Filho
Presidente da SBC/CE Biênio 1997-1999 |